ANAIS

Prof. Dr. phil. Antonio Alexandre Bispo

Prof. Dr. Antonio Alexandre Bispo. Univ. de Colonia. ISMPS/ABE

Ultramontanismo

Musicologia e Estudos Culturais


PROGRAMA
BRASIL NA MÚSICA SACRA - MÚSICA SACRA NO BRASIL


JORNADAS DE WERL, VESTFÁLIA
100 ANOS DA EXPULSÃO DOS FRANCISCANOS DE WERL



 1975


 

Ultramontanismo é conceito e tema que vem sendo discutidos nos estudos históricos, culturais e musicológicos há décadas, no Brasil e na Alemanha. Essa já longa história não pode ser ignorada por aqueles que mais recentemente se interessam pela temática, uma vez que diz respeito aos contextos que determinaram o desenvolvimento dos debates que se seguiram. 


O Ultramontanismo diz respeito primordialmente a decorrências históricas alemãs do século XIX e suas consequências e extensões em outros países, entre outros, no Brasil. A sua consideração pressupõe o conhecimento mais aprofundado de sua história e processos políticos, religiosos e culturais dos países de línguia alemã. O tema faz parte do complexo temático dos estudos de relações teuto-brasileiras.


Os centros de estudos missiológicos, de história eclesiástica, os institutos de ordens religiosas com as suas bibliotecas e arquivos, assim como as instituições universitárias e de musicologia da Alemanha são indispensáveis para os estudos contextualizados e análises do Ultramontanismo. Análises de suas extensões no Brasil pressupõem a consideração da história política e eclesiástica na Europa do século XIX com especial consideração do Concílio Vaticano I (1869- 1870) e do Império Alemão, fundado em 1871. As decorrências alemãs que passaram a ser designadas como ultramontanas inseriram-se em correntes restaurativas mais remotas s abrangentes. 


O estudo do Ultramontanismo sob o aspecto musical diz respeito à historiografia do século XIX, marcado que foi não apenas por extraordinários progressos técnicos e científicos, por expansões e pela industrialização, urbanização e por desenvolvimentos culturais e musicais na esfera secular, como também pela restauracionismo religioso, pelos intentos de afirmação do primado pontifício, pelo anti-modernismo da reação eclesiástica contra a secularização e da intensificação das atividades missionárias. O Ultramontanismo que atinigiu o Brasil deve ser considerado dentro desse contexto amplo e em processos que o marcaram.


Pressupostos: reflexões sobre o conceito


Como o termo ultramontano expressa, o conceito diz respeito a uma situação geográfica referenciada por montes, aquela que se situa para além, do outro lado ou atrás de montes, o que pressupõe um posicionamento daquele que se utiliza dessa designação e que se encontra aquém dos montes. 


O termo não é em princípio auto-designativo e não deixa de ter conotações negativas, desqualificadoras ou mesmo  pejorativas. É utilizado em sentido crítico para designar modos de pensar e proceder por demais conservadores, atrasados, retrógrados ou reacionários, de mentalidades e atitudes estreitas e delimitadas. Essas conotações da designação do que se encontra para além dos montes é conhecida em português no termo transmontano. Designativo da região de Trás-os-Montes em Portugal, região afastada de grandes centros, que se manteve isolada e marcada pelo seu arraigado catolicismo, o transmontano é termo utilizado vulgarmente - mas não de forma adequada - com sentidos relacionados com tradicionalismo, conservadorismo e estreiteza de visões, de modos de vida marcados por tradições e costumes ou presos ao passado, assim como com um reacionarismo político.


Torna-se porém necessário, no uso do termo e nos estudos do ultramontanismo, considerar diferenciadamente contextos histórico-geográficos. Deve-se lembrar que o termo não é recente e, como oposto ao cismontanismo, marcou a história mais remota do Franciscanismo na Europa, o que exige a consideração de contextos completamente distintos.


Concílio Vaticano I e a barreira dos Alpes 


Para a consideração adequada do ultramontanismo deve-se considerar a história dos países de língua alemã no século XIX, as suas relações com a França e o Concilio Vaticano I,  convocado em 1867 por motivo dos 1800 anos do martírio de Pedro e Paulo pelo Papa Pius IX (1792-1878) e aberto significativamente na festa da Conceição de Nossa Senhora, 8 de dezembro de 1869.


As proclamações desse Concílio, em particular aquelas referentes à jurisdição universal e ao dogma da unfabilidade papal tiveram consequências abrangentes não apenas para países marcados pelo Catolicismo. Essas e outras resoluções e prescrições, sobretudo ao do primado jurisdicional do Papa e da Infabilidade definidas no dia 18 de julho 1870 na constituição Pastor Aeternus,  não foram aceitas sem questionamentos, sobretudo em países de língua alemã, e assim acima dos Alpes. Essa oposição crítica levou até mesmo a uma divisão entre católicos com o surgimento da Igreja dos antigo-católicos - Altkatholische Kirche - na Alemanha, Áustria e Suíça e que, em Portugal, encontraria a sua correspondência na igreja Lusitana, constituída em 1880 também em protesto contra a proclamada jurisdição universal pontifícia. 


Kulturkampf - A Luta Cultural na Alemanha 


A época do Concílio Vaticano I foi também aquela da fundação do estado nacional alemão - Io mpério Alemão - proclamado em Versailles, no dia 18 de janeiro de 1871. O Império passou a vivenciar, em época de movimentos eclesiásticos cujo marco foi o Concílio uma extraordinária atividade católica, um aumento de vocações sacerdotais, do número de seminaristas, religiosos de ordens e missionários, e que levou á construção de grande número de monumentais igrejas, conventos e de outros edifícios que, em estilos neo-góticos e neo-românicos que até hoje marcam a fisionomia de muitas cidades. 


Tanto a ação sentida como opressiva do Estado como o intento de recatolização da sociedade fomentaram um extraordinário incremento das missões na Alemanha das últimas décadas do século XIX e início do século XX. Essa intensificaçãoo de atividades missionárias, de recatolizações e de propagação do ideário restaurativo teve consequências para paises extra-europeus como o Brasil, nos quais os religiosos passaram a intervenir em processos culturais, fomentando desenvolvimentos reativos à secularização de sociedades.


A história cultural e político-religiosa da Alemanha nas décadas de 70 e 80 do século XIX foi marcada por tensões resultantes de concepções jurisdicionais entre a Igreja e o Estado, o que levou à assim chamada Luta Cultural (Kulturkampf) entre 1871 e 1887. 


As tendências dirigidas à consecução das prescrições de Roma na vida religiosa, cultural e social, representadas sobretudo pelo Partido do Centro, foram vistas pelo chanceler Otto von Bismarck (1815-1898) como um risco, como uma pretensão que significaria a criação de um Estado dentro do Estado. Para evitar esse perigo, proibiu-se a ação dos Jesuítas, instituindo-se também penas para religiosos de outras ordens, como a dos Franciscanos, caso fizessem referências políticas em pregações. O Anti-Modernismo de Pio IX (1866-1870) expressa, já pelo seu termo, uma orientação reacionária no sentido próprio do termo, uma vez que representa uma reação aos desenvolvimentos considerados como secularizantes e modernos do século XIX. 


Tratar de desenvolvimentos marcados pelo ideário restaurativo eclesiástico dessas décadas nas suas extensões em contextos globais e nas suas implicações para o Brasil significa analisar processos reacionários. Esse reacionarismo tem as suas expressões mais evidentes na arquitetura de muitas cidades, onde, como em São Paulo, igrejas seculares, remontantes ao período colonial foram demolidas para dar lugar a edificações, neo-góticas, neo-românicas e neo-bizantinas como a antiga e Sé de São Paulo, o mosteiro de São Bento e igrejas como a de Santa Ifigênia e do Rosário. 


O processo reativo à secularização interveniu em processos urbanos, estabelecendo com edificações monumentais pouco condizentes com a formação e processos históricos do país referenciais determinantes de espaços urbanos e da percepção e imagem de cidades que se tornaram irremovíveis.


Cecilianismo e Ultramontanismo


A tomada de consciência da necessidade da consideração mais atenta das tensões político-religiosas na Alemanha no século XIX e suas implicações para o Brasil marcou o início do projeto brasileiro de desenvolvimento de uma musicologia orientada segundo processos culturais em contextos globais em 1974/75. 


Os diálogos e os estudos confrontaram-se desde o início com questões e posicionamentos confessionais, evangélicos e católicos. Já os estudos voltados ao movimento Bach nas sus relações com o Brasil em Lüneburg em 1974 dirigiram a atenção ao século XIX. As rememorações de G. Palestrina em 1975 trouxeram á consciência a necessidade de revisão de concepções e posições restaurativas do século XIX no âmbito da música sacra católica. 


As reflexões encetadas em Lüneburg em 1974 e a seguir em Colonia em 1975 levaram ao reconhecimento que o Cecilianismo, que teve como um de seus principais centros Regensburg, devia ser compreendido na sua contextualização européia e eurocentrismo, devendo ser questionado em muitos de seus enfoques e procedimentos. 


O reconhecimento da necessidade de reconsideração do século XiX fazia-se sentir também em dimensões mais abrangentes em círculos musicológicos, o que se expressava em projeto então em andamento dedicado ás Culturas Musicais na América Latina no século XIX no Instituto de Musicologia de Colonia. 


Embora fazendo parte de um projeto primordialmente de natureza histórico-musical, a consideração de outros continentes levara a que fosse conduzido na área da Etnomusicologia, o que trazia à consciência a questionabilidade de uma organização institucional que misturava critérios referentes a metodos com concepções geográficas do europeu e do extra-europeu. A orientação inter- e transdisciplinar dessa iniciativa editorial vinha ao encontro do escopo do projeto brasileiro de estudos culturais e musicológicos então iniciado.


O projeto musicológico brasileiro, que era voltado ao desenvolvimnento de uma musicologia em contextos globais a partir de fontes levantadas em pesquisas realizadas no Brasil desde a década de 1960, confrontou-se vom questões historiográficas referentes ao século XIX. Já há muito tinha-se constatado os problemas decorrentes de uma desvalorização de obras e compositores do século XIX por representantes do movimento de restauração litúrgico-musical e suas atuações no ensino, na propaganda religiosa e na produção sacro-musical. 


A releitura crítica dessa literatura e a revisão de perspectivas e posições impunha-se para a consecução adequada de uma musicologia orientada segundo processos culturais e não por ideários. A atenção devia ser dirigida aos contextos históricos em que se inseriam os representantes dos estudos lutúrgico-musicais movidos por ideis restaurativos. Nesse debate, revelou-se a necessidade de diferenciações entre o Cecilianismo nas suas diversas contextualizações e o Ultramontanismo.


Diferenciações


Inserindo-se em contexto e processos político-culturais, o termo Ultramontanismoi não é adequado para designar religiosos e de outros contextos, ainda que tenham sido também marcados por ideários similares. Apesar de todos os elos em comum e de suas inserções em correntes restauradoras e orientadas por normas instituídas do Concílio de Trento, o Ultramontanismo e o Cecilianismo exigem considerações diferenciadas.


Decorrências  e instituições da restauração religiosa da época da Restauração européia em 1815 - nas quais o Brasil também se insere - , os desenvolvimentos na esfera da música sacra e do ensino na França - também nos quais o Brasil se insere - o Cecilianismo de Ratisbona ou correspondentes tendências na Itália - necessitam ser considerados contextualizadamente no tempo e nos respectivos contextos, apesar de todas as sua interações. 


O estudo do Ultramontanismo de missionários que desde a época da Luta Cultural alemã vieram repopular conventos do Brasil não pode deixar de considar as suas dimensões políticas e político-culturais, compreensíveis no contexto alemão. A partir desses pressupostos a atenção é despertada para intuitos e iniciativas de cunho político-cultural, de intervenção em processos sócio-culturais compreendidos nessa perspectiva católica restaurativa como deficientes, errôneos ou decadentes. 


Neste sentido, a consideração do ultramontanismo exige a atenção ás suas dimensões educativas e político-culturais. Procurando reformar e formar disposições mentais e psíquicas, utiliza-se da música como poderoso fator e esta torna-se agente e motor. Compreende-se que o estudo do Ultramontanismo e de suas consequências confronta-se com dificuldades decorrentes da posição do observador. Na auto-consciência dos religiosos, trata-se de uma correção de deviações em desenvolvimentos, de reformas corretivas e assim de renovação a partir de fundamentos. Nessa visão, os intuitos ultramontanos surgem como renovadores, o que marca narrativas e argumentações, levando a ambivalências quanto a interpretações e mal-entendidos. 


Ultramontanismo e Musicologia


O fato do projeto ser conduzido a partir de Colonia, um dos principais centros do Catolicismo na Alemanha, motivou e favoreceu os estudos da história missionária relacionada com a época da expulsão de religiosos no contexto da Luta Cultural. A região do Reno e da Vestfália, predominantemente católica - diferentemente da Prússia marcada pelo protestantismo - adquirem particular relevância nos estudos da época da Luta Cultural. 


As estreitas relações de Colonia com o Brasil favoreceram o estudo do tema. Em estudos desenvolvidos em bibliotecas da Arquidiocese e em centros missionários, entre eles da Missão Steyler, dos Franciscanos e também dos Beneditinos, procurou-se levantar nomes e referências sobre a atuação de missionários alemães que partiram para o Brasil em fins do século XIX e início do XX. 


Entre elas, salientavam-se aquelas da Arquidiocese com os Franciscanos de Petrópolis e o Instituto Musical dos Canarinhos de Petrópolis. Os Franciscanos de Petrópolis tinham podido contar com o apoio - não só financeiro - de Colonia.  Encontros e diálogos com responsáveis do instituto de música e do coral de Petrópolis nas suas estadias em Colonia favoreceram os estudos. 


Centenário da expulsão dos Franciscanos de Werl


Em 1975 rememorou-se a passagem dos 100 anos da  expulsão dos Franciscos de Werl em 1875, importante centro de peregrinações da Vestfália, Os religiosos para ali retornaram em 1887. Esse centenário motivou estudos e diálogos referentes a relações entre o Catolicismo alemão à época do Concílio Vaticano I, a Luta Cultural e a música. 


Essa atenção especial dedicada à música decorreu do papel desempenhado pelos franciscanos alemães na história da restauração sacro-musical, no ensino musical, na publicística e nos estudos de natureza musicológica no Brasil. Nesse encontro, dedicou-se de início atenção ás diferenças decorrentes respectivas origens e contextos, as suas prioridades quanto a procedimentos e tradições das respectivas ordens de religiosos alemães que atuaram no Brasil. Se os beneditinos se salientaram sobretudo no cultivo e estudo do Gregoriano os franciscanos nas atividades missionárias e na música a serviço da missão e do ensino. 


Os franciscanos alemães desempenharam sobretudo relevante papel no desenvolvimento dos estudos musicológicos, ressaltando-se neste sentido o vulto de Frei Pedro Sinzig O.F.M. (1876-1952), originario de Linz no Reno.Como compositor e sobretudo editor da difundida revista Musica Sacra, órgão que incluiu textos sobre temas musicológicos de renomados pesquisadores portugueses e de obras enciclopédicas com verbetes sobre temas histórico-musicais e etnomusicológicos, Fr. Pedro Sinzig atuou de forma relevante no desenvolvimento do pensamento musical em círculos católicos no Brasil, não podendo ser suficientemente considerado no estudo da história dos estudos musicológicos no Brasil


Deu-se início ao levantamento sistemático dos missionários franciscanos que atuaram nas diferentes regiões do Brasil, do Rio Grande do Sul ao Amazonas e Pará e suas atividades musicais. Nesses debates, a atenção foi dirigida compreensivelmente ao Frei Pedro Sinzig que, como um dos religiosos alemães que vieram já na sua juventude ao Brasil, inscreveu-se em processos que tinham sido desencadeados na Luta Cultural da época de sua infância. 


Embora muitos religiosos nasceram ou se formaram anos após o término da Luta Cultural, foram por ela marcados, tambem aqueles que se formaram nos Países Baixos. Não se pode esquecer o conservadorismo e a obediência a Roma em centros católicos dos Países Baixos nos estudos voltados ao Ultramontanismo. Personalidades e instituições de cidades holandesas marcadas pelo Catolicismo desempenharam papel relevante não só na acolhida de religiosos que tiveram que deixar a Alemanha como também na promoção de correntes do restauracionismo eclesiástico do século XIX nas suas continuidades no XX.


Apesar de uma primeira formação na tradição ultramontana, missionários franciscanos que vieram para o Brasil desenvolveram as suas intensas atividades em décadas posteriores, cujo principal referencial foi o Motu Proprio de Pius X (1835-19149 de 1903. 


Reflexões precedentes


A renovação de concepções e perspectivas dos estudos musicais e culturais, em grande parte marcados por personalidades como Fr. Pedro Sinzig e publicações sacro-musicais de Petrópolis, foi discutida no Brasil nos anos que se seguiram ao Concílio Vaticano II. Com as reformas e o entusiasmo renovador de religiosos dedicados à música sacra e compositores, todo o passado musical pré-conciliar passou a ser visto por muitos como superado e criticado. Vários daqueles que tinham sido acatados como personalidades de liderança na música sacra as décadas anteriores ao Concílio como organistas, regentes, compositores e professores em seminários passaram a ter as suas concepções e produção musical revistas. 


A situação nesses anos que se seguiram ao Concílio foi marcada por ambivalências e paradoxias. De um lado, os intuitos renovadores desse movimento surgiam em princípio em sintonia com aqueles que promoviam reformas. Compreendiam-se como progressistas e criticavam concepções e práticas  pré-conciliares. De outro lado, a atenção dirigida a processos levantava questionamentos quanto a visões indiferenciadas do passado, não considerando o seu desenvolvimento histórico e contextos. 


AS reflexões encetadas em 1966, foram desenvolvidas no grupo de estudos do Gregoriano e da música sacra em geral do Centro de Pesquisas em Musicologia do movimento Nova Difusão.Os estudos contaram com a participação de pesquisadores de várias instituições, entre elas da Faculdade Sedes Sapientiae, do Studium Theologicum do Paraná e do Instituto Pio X do Rio de Janeiro.  Esses estudos levaram a visitas, diálogos e consideração de repertórios realizados em Petrópolis, dando início a uma série de eventos que tiveram continuidade através de décadas. 


Desenvolvimentos subsequentes


A problemática do Ultramontanismo e a sua necessária diferenciação na música sacra e na musicologia no Brasil foi um dos temas previstos para serem tratados no I Simpósio Internacional Música Sacra e Cultura Brasileira, realizado em São Paulo, em 1981. Dois foram os aspectos particularmente considerados na sua preparação e programação concernentes ao Cecilianismo e ao Ultramontanismo. 


Em primeiro lugar, devia-se considerar a necessária diferenciação sob o aspecto de uma musicologia voltada a processos culturais, entre o Cecilianismo nas suas diferentes expressões e o Ultramontanismo. 


A discussão sôbre o emprêgo inadequado do termo foi motivada pela publicação na coletânea que devia servir como ponto de partida para os debates, de estudos da vida e da obra de Furio Franceschini (1880-1976) organista, mestre-de-capela da catedral, professor do seminário metropolitano de São Paulo e compositor que marcou por mais de meio século a música sacra em São Paulo. 


No debate devia-se trazer á consciência que tratar de  Furio Franceschini como ultramontano apenas podia ser compreendido se esse termo fosse empregado em sentido genérico, vulgar, o que seria impreciso e incorreto. Tal designação não devia ser empregada em trabalhos de nivel superior por não corresponder a critérios historiográficos. 


Furio Franceschini inseriu-se antes no contexto do Cecilianismo italiano, não do Ultramontanismo contextualizado nos países de língua alemã, apesar de todas as proximidades e interações. Um trabalho que tematizasse Franceschini no contexto do ultramontanismo seria inaceitável e colocaria em dúvida a competência de seu orientador.


Em segundo lugar, procurou-se trazer à consciência a necessidade de não se apagar nomes, obras e publicações de religiosos franciscanos, sobretudo alemães, que marcaram por décadas a vida musical, o ensino e mesmo os estudos musicológicos no Brasil. Os intentos de revisão crítica e renovação de perspectivas não deveriam levar ao esquecimento de personalidades, tendências do pensamento e desenvolvimentos, uma vez que isso obscureceria a visão historiográfica e dificultaria a análise de processos culturais nas suas relações internacionais. 


Por essa razão, realizou-se pela primeira vez, a partir de materiais levantados no Brasil e em centros de estudos de música sacra na Europa, de nomes e obras de religiosos que atuaram na prática e nos estudos musicais, apresentando-os em texto publicado como base de discussões em sessão do Simpósio Internacional Música Sacra e Cultura Brasileira voltada à desenvolvimentos da música sacra no seculo XX através da ação de ordens religiosas. Devia-se discutir relações entre correntes reativas anti-secularizadoras - reacionárias , com desenvolvimentos que levaram à tomada de poder republicana em  1889, relações apenas aparentemente paradoxais. Essa sessão, com a execução de obras representativas dessa literatura, foi realizada na Faculdade de Música Santa Marcelina, em São Paulo.


O tema foi tratado a seguir em conferência que se seguiu à fundação da Sociedade Brasileira de Musicologia, realizada no Instituto de Meninos Cantores de Petrópolis em 1981. Esses estudos levaram a um estreito relacionamento dos trabalhos musicológicos internacionais com Petrópolis e que tiveram as suas mais relevantes expressões no II Congresso Brasileiro de Musicologia, em 1992, e no Colóquio Internacional de Estudos Interculturais, em 2004. 






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